Opinião
CARTA ABERTA: O FUTURO DO CORITIBA E O IMEDIATISMO
A base do Coritiba, durante muito tempo, foi motivo de orgulho. Não só por títulos, mas por revelar jogadores que marcaram época — não apenas no clube, mas no futebol brasileiro e mundial. De Alex de Souza a Rafinha, de Miranda a Henrique, de Keirrison a Yan Couto, o Coxa sempre teve um papel relevante na formação de talentos.
Mas hoje, com pesar e preocupação, escrevo esta carta aberta para questionar o caminho que temos tomado.
Nessa semana, Moisés Moura foi demitido do Sub-20 após uma sequência ruim de apenas quatro jogos no Campeonato Brasileiro Sub-20 Série B — com três empates. Uma decisão que, em vez de representar correção de rota, evidencia uma cultura de imediatismo e fragilidade institucional. Como exigir resultados sólidos de um projeto que sequer tem tempo para amadurecer?
Aqui a vinda do Treinador: https://ge.globo.com/pr/futebol/times/coritiba/noticia/2024/09/05/coritiba-contrata-moises-moura-ex-cruzeiro-como-tecnico-para-o-time-sub-20.ghtml
Aqui sua saída: https://ge.globo.com/pr/futebol/times/coritiba/noticia/2025/04/24/coritiba-anuncia-saida-de-moises-moura-treinador-do-time-sub-20.ghtml
Mais grave que a troca de comando, porém, é a ausência de frutos visíveis. Não há, neste momento, jogadores em destaque no Sub-20 que estejam prontos para integrar o elenco profissional com potencial de agregar tecnicamente. E quando alguns são lançados — como João Almeida, Guilherme Aquino, Ruan Assis e até mesmo Ronier —, são jogados às feras. Lançados em contextos de desespero, sem preparação adequada, sem um plano de transição, sem respaldo. A base virou uma espécie de estoque emergencial, quando deveria ser um celeiro planejado.
É doloroso constatar isso. Porque já fomos melhores. Porque sabemos fazer melhor. Porque já fizemos.
Apenas para exemplificar, na década de 1990, Alex de Souza estreou com brilho ainda adolescente. No começo dos anos 2000, Miranda, Adriano e Rafinha mostravam que o Coritiba sabia trabalhar suas joias. No final daquela década, vimos surgir Keirrison, Henrique e Marlos. E, mais recentemente, Dodô, Yan Couto e Matheus Cunha — este último, inclusive, negociado antes mesmo de estrear no profissional.

A lista não é pequena (e obviamente estão faltando mais atletas) e reforça um ponto incontornável: nós sabemos formar. Mas parece que esquecemos como.
Hoje, a base do Coritiba parece formada por times montados para correr, marcar, obedecer. Atletas fortes para as categorias que disputam, velozes, bem distribuídos e obedientes taticamente (vencendo ou não campeonatos). Mas que não decidem, não criam, não brilham. Cadê o drible? Cadê o passe que rompe linhas e o lançamento bem feito? Cadê a leitura de jogo? Cadê o improviso? Cadê o talento?
Falando de Coritiba, mas não limitado ao nosso Club, ao tentar antecipar o perfil do jogador europeu, estamos sacrificando o jogador brasileiro.

Sim, vencer campeonatos de base é importante. Vitórias e derrotas moldam caráter, ensinam a competir, a sentir a pressão. Mas quando a vitória se torna o único critério de sucesso nas categorias menores, o processo formativo é corrompido. Montar times só para vencer, com atletas fisicamente mais prontos, em detrimento dos mais talentosos e ainda em maturação, é uma falência da missão da base.
Pior: é uma traição à história do Coritiba.
A base deve ter como prioridade formar jogadores com qualidade técnica, inteligência de jogo e personalidade. Jogadores que, mesmo não sendo vendidos por milhões aos 17 anos, possam subir ao profissional com condições de se tornarem titulares ou, no mínimo, peças úteis e seguras. Jogadores com identidade com o clube, com o Couto Pereira, com a camisa.
Ao contrário disso, vemos a base sendo administrada como uma empresa de exportação precoce. O atleta nem chegou ao “time de cima” e já é vendido por valores baixos para clubes europeus ou empresários. O torcedor sequer conhece o menino. O profissional não o utiliza. O clube não o desenvolve. E todos perdem. E, pior, muitas vezes perdendo campeonatos – principalmente quando disputados nacionalmente…

E aqui, faço uma provocação necessária:
Durante a chamada “era SAF”, o que temos visto na gestão das categorias de base, principalmente quando se trata da vinda de jogadores de outros clubes e centros, é o seguinte (mas obviamente não limitado a isso):
- Quando o CEO veio do Grêmio, vinham profissionais e jogadores de lá;
- Quando o CEO veio do Cruzeiro, vinham profissionais e jogadores de lá;
- Quando o Diretor de Futebol veio da Ferroviária/SP, alguns jogadores vieram (e ainda vêm) de lá;
- Quando outro gestor de Futebol veio, agora do Internacional, a história se repete.
O padrão existe ou estou enviesado? Errei em alguma constatação — e, se sim, o espaço está aberto para que eu retifique imediatamente. Mas deixo a pergunta: o que queremos com isso?
Queremos ser um Athletic Bilbao, que só utiliza “bascos”, logo sem trazer qualquer jogador de fora de Curitiba? Um Real Madrid, cuja base pouco serve para o time principal? Um Barcelona, que durante anos revelou craques mesmo com todos os escândalos ao redor? Queremos ser um Palmeiras, um Flamengo ou um Santos, que ano após ano revelam jogadores e os colocam no time de cima com impacto imediato? Ou, afinal, o que queremos ser com nossa base?
E mais: qual é o objetivo da SAF para o Coritiba?
Há uma meta concreta? Existe um planejamento para disputar uma Libertadores em 5 anos? Para ser campeão de Copa do Brasil em 3? Para, quem sabe, almejar um Mundial em 10 ou 20 anos? Pergunto porque, para disputar um Mundial, há que se disputar Libertadores regularmente. E isso implica estar nas primeiras posições do Brasileiro e/ou conquistar torneios nacionais e continentais.
Ou será que o plano é outro? Seremos um clube “sanfona”, indo e voltando da Série A para a Série B, vendendo promessas antes da maturação, fazendo caixa e só? Recuperando o investimento dos controladores e encerrando o ciclo?
Por isso, esta carta é um apelo.
Não pela permanência deste ou daquele treinador, seja na base ou profissional. Mas por um projeto. Por um projeto de base que vá além do campo. Que responda:
- Qual é a “Identidade Coxa Branca” identificada pela SAF? Ela serve para qual propósito?
- Qual o perfil de atleta o Coritiba quer formar?
- Qual o modelo de jogo está sendo implementado da base ao profissional?
- Quem é o responsável por garantir essa conexão?
- Quais atletas do Sub-17 e Sub-20 têm plano de carreira definido dentro do clube?
- Qual o plano do Coritiba para que em “x” anos tenhamos novamente uma base que revele craques, e não apenas atletas obedientes?
Se não houver essas respostas, não é só a base que está sendo desperdiçada. É o futuro do clube.
Porque um clube que não forma, depende de comprar. E um clube que não compra bem, afunda.
Nós, torcedores, sócios e apaixonados por essa camisa, queremos ver novamente a base do Coritiba brilhar. Mas brilhar com propósito. Com identidade. Com talento. Com responsabilidade.
Ainda há tempo.